02/09/2017

De coração

Deixo meu coração no joelho ralado do menino travesso
que desobedece cai e machuca
na conversa boa que varou a noite
ficou na memória e não terminou
no momento errante de garrafa na mão e porre certo
da loucura desmedida sem nenhum propósito
no riso sacana de quem faz o que bem quer
com a falta de destino que mais tememos

deixo meu coração no andar sorrateiro dos cachorros de rua
em busca de mais uma sobra de comida
que contribua com a sua sobrevivência
no cheiro de terra molhada no verão
no sol chegando no começo do dia
na frustração obtusa da boca que não beija quando quer beijar
na mobília sem valor sentimental abandonada em qualquer esquina
no vento do fim da tarde que refresca o suor do corpo cansado
no passo cuidadoso da moça introvertida
na lembrança da família reunida no final de semana
no último abraço que pudemos dar
no filme bonito dos amantes doentes que morrem
trazendo a lembrança de que a gente morre
e o amor é agora

meu coração fica na fé de quem teima em acreditar
e no lamento desacreditado e sem fé

meu coração fica
ao passo que segue comigo
porque meu coração não é bobo
ele não parte
multiplica
para ser mais forte
mais completo
capaz de não vacilar diante de comedimentos parcos
leis de fronteiras e restrições astrais
pelo doce prazer de continuar sentindo

meu coração não é bobo
ele sabe o que faz.

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